terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Eduardo Sá!

Gosto de ti, quero-te e... outros extras com que metemos golos na própria baliza
"-Vamos falar dos sentimentos que, desde sempre, se passeiam dentro de nós. Do perigo que representa fugirmos aos nossos sentimentos, à linguagem dos olhos, ao tocar, ao "desejo-te" ou ao "quero-te", a tudo aquilo que, das duas uma: ou nos leva a estar perto ou nos empurra para longe uns dos outros. - Isso não é um bocadinho "ou carne ou peixe", "ou tudo ou nada"? Para além do perto ou do longe, os nossos sentimentos não darão outras alternativas à relação entre as pessoas? -Dão. Dão o "politicamente correcto" e o "demasiado perto", que são duas formas batoteiras de usarmos os sentimentos para estarmos longe das pessoas. (...) É. O demasiado perto é uma estranha forma de estar longe, estando "em cima" de alguém. E, se reparar, na relação entre as pessoas, o demasiado perto é longe demais. (...) Só há dois tipos de abraços: os que tiram o ar e os que enchem a alma. Confiarmos o nosso corpo a alguém traz tanto medo que um abraço raramente é um gesto firme e apertado entre duas pessoas. Muitos - mesmo muitos - de nós evitam os abraços porque os sentem como gestos tensos, contrafeitos e - sobretudo - como uma proximidade grande demais, que traz medo. Como se o estar perto fosse, para tantas pessoas, tão pouco vivido e experimentando que temem que um abraço lhes roube o ar, em vez de encher a alma. (...) As pessoas têm muito medo que os sentimentos sejam uns extras estranhos com que vêm equipadas! Na verdade, toda a nossa educação se dirigiu no sentido de aprendermos a reprimir aquilo que sentimos. Como se fosse possível sentirmos a beleza do mundo e a das pessoas de uma forma asséptica ou bacteriologicamente pura. Já viu como, fugindo dos nossos sentimentos, fugimos de tudo o que nos permite namorar com a vida? Já viu como fomos todos educados para metermos golos na nossa baliza? (...) Trabalho para casa: descubra o lado pimba que há em si! A sério: fiquem com uma equação para o fim-de-semana. A equação é: como se diz "gosto de ti" cm sinais de fumo? Não será melhor voltarmos ao Jurássico e dizer "gosto de ti" de forma desajeitada, atabalhoada, mas com alma e de olhos nos olhos? Não faz sentido tantos cuidados, quando se trata de nos chegarmos a alguém. Em suma: Não é possível amar, dizendo "gosto de ti" pelo canto do olho!"


És meu, só meu, meu e de mais ninguém
"-Vamos falar de ciúme. E vou já acordá-la dizendo que o ciúme faz melhor que o "Cola Cao". O ciúme é a versão "ultra light" da gula. Na verdade - aqui que ninguém nos ouve -, quando gostamos muito de alguém, queremos essa pessoa toda, toda, toda só para nós.
-Claro que queremos a pessoa toda só para nós. E por isso mesmo custa-me a perceber que o ciúme faça bem. O ciúme faz doer, cansa, e pode mesmo ser destrutivo.
-Se formos espertos, sabemos que o ciúme nos ajuda a perceber que, se dividirmos um bocadinho da pessoa de quem gostamos muito com mais alguém (só um bocadinho), saímos a ganhar. E sempre que não toleramos dividi-la, isso não quer dizer que não tenhamos dúvidas sobre ela, mas que estamos tão inseguros do que valemos para ela que mais vale não a deixar fazer quaisquer comparações porque, senão, perdemos a taça para o mais enfadonho dos companheiros do mundo.
-Mas o que é isso de dividir a pessoa um bocadinho?
-Dividir um bocadinho é perceber que uma pessoa só tem de ser toda nossa quando não faz parte de nós.
-Bom, e depois há aquelas pessoas que respiram ciúme, que se alimentam de ciúme, que são só ciúme, e destroem qualquer relação.
-O ciúme é humano. O delírio de ciúmes é demoníaco. Essas pessoas são pessoas doentes. Pessoas certamente tão marcadas por inúmeras decepções que, para não enlouquecerem com tudo o que as leva a desconfiar do que sentem, desconfiam compulsivamente de quem gosta delas.
-Provavelmente são pessoas com uma auto-estima tão pequenina, tão pequenina, que dificilmente conseguem acreditar que alguém possa, realmente, gostar delas e só delas. Mas quando não é patológico , o ciúme pode ser uma espécie de acendalha de uma relação. Uma chamazinha de ciúme põe-nos em causa, e isso faz com que não nos deixemos "dormir em serviço". Sentir o tapete fugir-nos levemente por debaixo dos pés pode ter essa grande vantagem de nos estimular, não é? De tentarmos conquistar - todos os dias - a pessoa de quem gostamos.
-É. sobretudo porque o ciúme é uma forma de dizermos por outras palavras: "Tenho medo que não gostes de mim!"
O amor é fogo!
"-Quantas paixões devia ter um adolescente antes de descobrir a cara-metade?
-O dia tem 24 horas... Se ele (ou ela) tiver uma paixão de 12 em 12 horas, isto dá...730 paixões por ano! Agora, a sério: Um adolescente devia ter imensos flirts, muitas paixões e alguns namoros. E os namorados, só dão inquietações e insucesso escolar?
-Não, absolutamente! Os namorados dão inquietações, dão insónias, podem dar algumas desatenções nos estudos, mas são o melhor que há para crescer com saúde. Porque é que os adolescentes falam mais facilmente com um amigo ou com uma amiga, por exemplo, do que com o pai ou com a mãe?
-Porque só contamos o mais secreto dos nossos pensamentos a quem desvenda os segredos do nosso coração.
-Ora essa! E quem melhor que o pai ou a mãe para nos conhecer e desvendar o nosso coração?
-O melhor amigo. A confidente. A namorada. Sabe porquê? Porque, para muitos pais, o coração dos adolescentes é um "abre-te sésamo" sem password.
(...) Quando alguém diz - por palavras, actos ou omissões - "não gosto de ti!", está a dizer:"Luta por mim!"... Duas vezes."





Pecar é gostar duas vezes

"(...)Quando se gosta muito de alguém, não se faz um voto de castidade com a vida. Gostar de outra pessoa torna-nos mais sensíveis à beleza: dentro de nós próprios, dentro de quem gostamos e à nossa volta. "Peca-se" mais. E é bom que possamos dizer que pecar (desta maneira) nos vira do avesso. Mas dá sol, por dentro. Obriga-nos a pôr as pessoas de quem gostamos em dúvida. Não deixa que "adormeçamos em serviço" e empurra-nos para questões que nos ensinaram a proibir. Como, por exemplo: Que ganhos me trouxe a pessoa com quem estou? Tornou-me melhor, ensinou-me a ser mais bonito, trouxe-me mais vida? Ou, pelo contrário, mesmo sem querer, levou-me a "deitar fora" tudo aquilo que me arejava a cabeça e tornava o meu coração mais bonito? -Mas não será que pecamos apenas quando o desinteresse por aquela pessoa já se instalou irremediavelmente? Não é desconfortável pecarmos - mesmo que só por pensamentos - tendo, ao lado, o escolhido ou a escolhida? -Pecar (visto desta maneira) é "tão natural como a sua sede" e - sim! - é desconfortável pecar, porque os remorsos fazem um formigueiro no coração, mas são as melhores vitaminas de uma relação. Visto assim, pecar é dizer "gosto e ti"... Duas vezes. Nunca se esqueça: os piores pecadores são os que pecam sem remorsos, e aqueles que sentem remorsos... ainda antes de pecarem."

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

“Diário da tua ausência”

“Nietzsche, que tinha tanto de louco como de sábio, escreveu que a grandeza de um homem está em ser uma ponte e não uma meta. Mas ninguém consegue construir uma ponte sozinho, nem carregar um piano, nem mudar uma casa, por isso aprendi algo mais difícil: aprendi a ficar quieta quando aquilo que mais quero e desejo não depende só de mim. E com essa nova e preciosa lição veio a paz, a tranquilidade, a harmonia dos dias sossegados e das noites de sono profundo. Aprendi muito contigo, com certeza mais do que possas imaginar. Aprendi com os meus erros, porque é quando se perde que a lição é mais importante. Devia ter ficado quieta mais vezes, devia ter respeitado o teu silêncio e o teu espaço, deixar-te em paz em vez de te pedir o mundo, porque iria sempre amar-te, estivesses ou não ao meu lado, porque fazes parte de mim, mesmo sem saber se és a primeira ou a última peça do meu dominó, mesmo sem saber se o vais pôr de pé ou deitá-lo abaixo.O amor tem o seu próprio mistério, tentar desvendá-lo é um erro, tentar apressá-lo um crime. Se um dia destes te apetecer voltar para os meus braços e construir um sonho comigo, podes bater à porta porque estarei por aqui, mergulhada numa paz tranquila e nova que me ensinaste sem saber. O amor é mesmo assim: damos aos outros o nosso melhor sem sequer o saber. E tudo o que damos nunca se perde, nada se perde, apenas se transforma e se guarda numa caixa que só o futuro conhece e desvenda. (…) Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter connosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver.”

Margarida Rebelo Pinto

Elogio ao Amor

“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

(Miguel Esteves Cardoso)